quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Não consigo entender.

Minha casa é feita de tijolos, suas janelas são grandes e altas, tem uma escada que leva ao segundo andar e seu espaço é amplo e decorado com muito bom gosto e refinação.

Sempre escuto meu mestre falando em “renda” ou “dinheiro” – não entendo o que é, não vejo a menor finalidade de alguns pedacinhos de papel coloridos com números servirem pra alguma coisa.

A mulher do meu mestre está sempre elegante, vestida com roupas novas e sempre comprando utensílios para nossa casa. A decoração é sublime, sempre que recebemos visitas, estas elogiam o ambiente no qual vivemos.

Na verdade, eu não consigo entender muita coisa. Eu entendo quando dizem: “bolinha”, ou quando chamam meu nome, ou quando me pedem pra parar de roer os móveis... Eu entendo quando querem me elogiar, ou ganho carinho. Eu entendo alguns olhares, mas muitas palavras são um mistério pra mim.


Às vezes eu subo no sofá e estico o meu corpo para poder enxergar pela janela. Sempre me surpreendo com as imagens novas que meus olhos tentam captar, tentam acompanhar.

Olhando por esta janela, não consigo entender como é possível eu ter um lar onde eu posso comer a comida de mais alta qualidade, ter a cama mais macia e os brinquedinhos mais caros, enquanto outros iguais a mim não têm nada.

Já vi casos terríveis. Meu vizinho já deu um tiro no vira-lata que comia os restos do lixo que ele colocava perto dos containers. Ele não morreu na hora, ficou deitado ali no chão e eu compreendi seu olhar. Eu queria poder salvá-lo, livrá-lo da dor que estava sentindo. Obviamente eu não consegui, as minhas tentativas foram insuficientes.

O cachorrinho da mulher que mora na frente da nossa casa latia demais, então ela o colocou dentro de um saco plástico e o levou para longe. Escutei meu mestre falando que ele teria sido encontrado no lago da cidade, dentro do saco, sem vida.

A cadelinha que engravidou na casa ao lado da minha foi abandonada e teve a patinha quebrada, de tanta surra que levou. Ela foi encontrada na praça da cidade, com os filhotinhos bem pertinho dela. Sua pata continuava quebrada, e agora, sem chances de recuperá-la.

A filhote de uma cadela que, há muito tempo vagava aqui no bairro, foi encontrada com um tipo de sarna gravíssima, ela estava em carne viva. Seus olhos já não abriam mais, ela não conseguiu sobreviver nem 3 meses.

E eu não, eu fui comprado. Eu tenho raça, tenho pedigree. O que isso importa? Por causa disso eu tenho latido diferente? Por causa disso eu cheiro diferente? Por causa disso eu tenho carinho diferente com os humanos? Por causa disso meu olhar é mais bonito? Por causa disso eu tenho direito de ter um lar e os outros não?

Jamais vou entender. Não compreendo por que nenhum deles parou pra ajudar. Nós não temos voz, não compreendemos algumas muitas palavras humanas, não somos ouvidos. Nosso olhar não é compreendido. Nossa dor não é removida. Nosso perdão não é concedido.

O que será que precisamos fazer para mudar isso? Será que tem como mudar?

Eu só peço que, se for levar um animalzinho de estimação pra casa, pense que este será uma responsabilidade, porque antes de tudo, é uma vida, um coração batendo. Pense bem nas suas atitudes, você vai maltratar um animal pra ser feliz? Vai maltratar um animal porque tem seus motivos? Seria legal se maltratássemos alguém da sua família? Seria legal se fizéssemos exatamente essas mesmas coisas com alguém que você ama? Quem abandona um filho porque chora demais, ou grita demais?

Raças são diferentes. Espécies são diferentes. Corações não.


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