quarta-feira, 31 de julho de 2013
Sobre o debate "Criminalização dos movimentos sociais: Interpretações e perspectivas de enfrentamento"


Nessa última segunda-feira (29 jul. 2013) aconteceu no Salão
Nobre da Faculdade de Direito da UFG o ciclo de debates com o tema
“Criminalização dos movimentos sociais: Interpretações e perspectivas de
enfrentamento”, uma atividade do projeto de extensão “Ciclo de Estudos e
Debates sobre Democracia e Direitos Humanos” do Núcleo Interdisciplinar de
Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da UFG em parceria com os Programas de
Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/FCS/UFG) e Interdisciplinar em Direitos
Humanos (PPGIDH/PRPPG/UFG). Veja como foi na cobertura feita pelo Mais Eco Educação.
Fotografia: Christiane de Holanda
O debate foi mediado pelo Prof. Ricardo Barbosa, sociólogo, que começou com os agradecimentos de praxe e logo apresentou os debatedores
convidando-os a compor a mesa, os Profs. Drs. Alexandre Bernadino Costa
(Faculdade de Direito/UnB) e Flávio Munhos Sofiati (Faculdade de Ciências
Sociais/UFG), e falou brevemente sobre suas formações acadêmicas. Em seguida,
convidou Tiago Madureira Araújo, estudante de Jornalismo da UFG que contribuiu
numa participação especial representando a Frente de luta pelo Transporte
Público de Goiânia.
Da esquerda para direita: Tiago, Alexandre, Ricardo e Flávio. Fotografia: Christiane de Holanda
Após a composição da mesa e apresentações, Ricardo
tratou de apresentar o assunto e os objetivos do debate: tentar entender e
discutir sobre a reação diante da onda de protestos que vem tomando as ruas das
cidades brasileiras, muitas vezes marcada por perplexidade (por parte de
especialistas e pelo mundo político) e, via de regra, pela repressão policial,
judicialização do direito de opinião e criminalização das manifestações e de
seus organizadores (por parte de poderes instituídos e da grande mídia). Diante
disso, questionamentos que disputam atenções vieram à tona: 1. o que essas
manifestações significam para a sociedade brasileira?; 2. É possível a
comparação desses acontecimentos anteriores, como as Diretas Já e o movimento
Fora Collor?; 3. Como o estado brasileiro recebeu o movimento?; 4. Qual o papel
da mídia em relação às manifestações?; e 5. Como pode ser avaliada a capacidade
do Estado brasileiro, em particular do Governo Estadual de Goiás, de reagir aos
protestos?
Fotografia: Christiane de Holanda
Como previsto, o primeiro a tomar a fala foi Tiago, que
falou sobre a Frente de Luta exaltando o fato da dinâmica, horizontalidade e
democracia interna, e sobre a formação dos participantes, em sua maioria, por
estudantes secundaristas. Em seguida, tratou de falar sobre a criminalização
dos movimentos sociais, primeiramente de forma geral remetendo a outros
acontecimentos históricos anteriores, e mais especificamente depois, quando fez
um breve relato das manifestações contra o aumento da passagem e por outro
modelo de transporte, pauta de necessidade básica da população.
Durante sua fala, Tiago comentou sobre a ação por parte
da imprensa como forma de minimizar a importância das manifestações esvaziando seu
conteúdo ao enfatizar ações consideradas como vandalismo por parte dos
protestantes numa tentativa de criminalizar não só essas ações pontuais, mas
todo o movimento. E, tocando neste assunto, ressaltou que foram realizadas inúmeras
tentativas de diálogo e mecanismos legais com a CMT através de debates e
audiências públicas, porém, não obtiveram respostas, justificando assim, ações
consideradas mais drásticas.
Tiago falou também da presença nas manifestações de
agentes policiais infiltrados, conhecidos popularmente como P2, que
representavam risco direto contra a integridade física dos manifestantes, e
que, algumas vezes, tiveram responsabilidade no início de confrontos que
resultaram em repressão policial violenta e indiscriminada. Vários
manifestantes foram presos durante quase todas as manifestações, alguns deles com
acusações graves, como formação de quadrilha, e que agora respondem a sérios
processos com apoio e pressão por parte da mídia burguesa, que trata os
manifestantes como terroristas numa tentativa de criminalização da organização
popular.
No entanto, essa repressão gerou o sentimento de que
deveriam resistir e a percepção a partir de então de que não aceitariam esse
tipo de ação, além do alcance do apoio da população de tal forma que a mídia e
as empresas se viram encurraladas, tanto que resultou na liminar que determinou a suspensão temporária do aumento da
tarifa da passagem de ônibus.
Durante o histórico do movimento, Tiago observa um amadurecimento
político quando se percebe a importância em se atuar na ilegalidade – falando
da depredação de alguns ônibus e outros equipamentos públicos – tratando essas
ações como ato político, como avanços rumo à democracia resultado de um processo
de luta, tendo em vista que o que é considerado legal constitui-se no que é de
interesse da classe dominante, que é o que é combatido pelas manifestações.
“Não há outro mecanismo real”, afirmou Tiago.
Para finalizar, o representante da Frente de Luta
apontou três fatos a serem levados como lição até agora: 1. a importância
dessa nova organização social com pautas próprias e independente de agendas; 2. a relevância da democracia direta; e 3. de que agir somente na legalidade, com
encaminhamentos de documentos e audiências públicas, não resolve.
Fotografia: Christiane de Holanda
Em seguida, foi a vez do Prof. Alexandre tomar a
palavra, que iniciou falando do risco de uma avaliação atual desses
acontecimentos por se tratar de um movimento que é novidade absoluta, afirmando
assim, que o que poderia ser feito eram hipóteses de avaliação acerca deste
assunto. Logo depois, listou algumas características da sociedade contemporânea,
dentre elas a velocidade das mudanças, o elevado desenvolvimento
tecnológico/científico e a impossibilidade de se estabelecer uma
pré-visibilidade do futuro, mesmo mais próximo. Alexandre também fez comparações entre os movimentos
sociais contemporâneos e de períodos anteriores, como as Diretas Já e o
Movimento Fora Collor já citados, e também a Revolução Francesa, a Revolta da
Vacina e greves trabalhistas. E falando desses acontecimentos, tratou de
reforçar a afirmação que Tiago havia feito de que a ilegalidade é necessária
para a luta por direitos que ainda não nos são dados, e estabeleceu paralelos
entre o período da ditadura e o momento atual referindo-se ao modo como a
polícia respondeu a esses movimentos. “Em muitos momentos me deu a impressão
que a gente estava na ditadura”, afirmou Alexandre.
Em relação a essa repressão policial violenta, Alexandre
afirmou que o problema reside na formação policial deturpada e atentou para o
fato de que, apesar de noticiado só agora, esse tipo de violência acontece todos os dias nas periferias.. que
o número de jovens negros mortos no Brasil é maior do que o número em países em
guerra.. que grupos de extermínio existem desde sempre. “A polícia mata todo
santo dia”, disse Alexandre. E acrescentou: “A mídia não dá destaque e a gente
não sabe porque não quer saber”.
De uma forma geral, Alexandre afirma que tudo se resume
na luta pelo direito à cidade,
que a pauta da vez é o direito achado na rua.
A luta pela melhoria do transporte está ligada ao direito ao espaço público e
pelo fim da exclusão social.
Fotografia daqui.
Voltando a falar sobre criminalização, atentou para o
fato de quem estabelece o que é legal ou não, o poder político que determina o
que é crime, ou seja, detentores de poder, afirmando se tratar basicamente do “homem
branco proprietário” de pensamento ultraconservador e unilateral. Por isso, muita
gente anda com medo de perder privilégios e que essa repressão pode ser
justificada pelo fato de que é preciso garantir que o Leblon não sofra com o
vandalismo, enquanto sabemos que a periferia sofre com o vandalismo todos os
dias. E após esse pensamento, afirmou ser necessário estabelecer então o limite
da violência. Entretanto, para Alexandre não há duvida: “A atuação da polícia é
ilegal, entretanto, essa arbitrariedade é legitimada por uma sociedade
autoritária”, afirmou. Dessa forma, se faz necessário um meio diferente de
formação policial, já que, mesmo errada, é a única linguagem que conhecem.
E o mesmo acontece com relação a mídia, por ser formada
por grupos familiares tradicionais com interesses formados no período da
ditadura, onde a teoria da democracia não foi estudada e assim as leis não são
questionáveis.
Para finalizar, o Prof. Alexandre disse que um processo
particular de se fazer política está sendo criado e que o que se tem a fazer é
aprofundar o que está sendo feito, continuar com os movimentos sociais para
estabelecer limites da representação política, para reinventar o modo de se
fazer política de forma direta. “É arriscado, é claro, vão correr riscos o
tempo inteiro, afinal, estamos numa democracia, e pode dar errado, mas só faz bobagem
quem tá tentando acertar”, afirmou o professor.
Fotografia: Christiane de Holanda
Em seguida, o Prof. Flávio tomou a palavra e começou
discutindo sobre a juventude – por se tratar dos jovens os principais atores desses movimentos sociais – logo falando basicamente sobre os sensos comuns,
que muitas vezes mais atrapalham: 1. o de que jovens são um problema a ser
resolvido, e 2. da visão do jovem sempre no futuro, a frase célebre “o jovem
vai ser alguém um dia”. Esse senso comum é, muitas vezes, reforçado pela grande
imprensa que afirma que a juventude agora volta às ruas, quando na verdade,
nunca saiu, pois foram sempre foram os principais agentes das lutas sociais,
das gerais às mais específicas.
Depois expôs as características principais dessa
juventude: 1. legitimidade e preservação da individualidade; 2. estabelecimentos
de novas formas de ação social e de organização; 3. afirmação de identidade por
duas grandes forças: movimentos identitários (defesa de valores) e movimentos
sociais (defesa de valores); e 4. críticas às instituições com interesse de
transformá-las.
Quanto à repressão, estabeleceu a mesma lógica posta por
Alexandre, de que as mudanças não são interesse por parte do governo, eleito na
maioria das vezes em eleições contraditórias, pois quase sempre o que resta é a
escolha entre o ruim e o péssimo, numa atuação em parceria entre polícia e governo,
e que representam interesses de uma classe social específica, e que, provavelmente,
não é a maioria.
Por fim, Flávio reforçou o que o outro palestrante havia
dito, de que é preciso continuar com os movimentos sociais e que mesmo que
estejamos numa democracia muito frágil, é preciso sempre lembrar de que, mesmo
que em alguns pontos parecidas e com falhas significantes representativas, é
mil vezes preferível se comparada à ditadura e de que não devemos ter medo de
melhorar a democracia.
Fotografia: Christiane de Holanda
Finalizada essa parte, partiu-se para a etapa das
perguntas e o debate, onde foi discutido 1. a presença de “excluídos” na
manifestação; 2. a questão do questionamento à institucionalização, 3. o
convite por parte de um policial presente no debate para a busca de um diálogo entre os
movimentos sociais e as forças policiais; 4. as perspectivas de assistência/assessoria
jurídica para os envolvidos nos movimentos sociais; 5. como a não laicidade do
estado afeta os movimentos sociais, considerados movimentos de minorias; 6. como
se espera que esses movimentos afetem o prumo antropológico/sociológico da sociedade
no futuro; 7. a questão apresentada pelo prof. Flávio de que muitos militantes
trabalham arduamente em questões sociais, mas que nas eleições acabam por
apoiar candidatos que contribuem para atual situação política; e 8. como agir
em relação ao fato de uma sociedade altamente conservadora ter aderido às
manifestações que começaram pequenas e que com o passar do tempo acabaram em
reivindicações generalizadas ou direitos individualistas.
Fotografia: Christiane de Holanda
Bem, dentre todas as participações, a que mais acalorou
a discussão foi a do policial presente no debate, que tratou de afirmar que
policiais não são os monstros expostos e que os movimentos sociais devem tentar
se envolver com a polícia, deixando assim um convite para que não desistam de
estabelecer diálogo com as forças policiais. Quanto a isso, Alexandre afirmou
ser realmente necessário esse diálogo, mas que nas atuais formações policiais é
impossível, pois são concebidas sem qualquer diálogo com o público externo e seguem
com procedimentos de abordagens inadequados por meio de estereótipos estigmatizados.
E Tiago foi bem claro exemplificando o tipo de diálogo referido com ações
policiais violentas e perseguições políticas, e afirmando: “com esse tipo de
polícia a gente não dialoga”.
Quanto ao questionamento de que se realmente haviam "excluídos" nas manifestações, Tiago acredita que sim, pois eram compostas em sua
maioria por usuários do transporte, visto que muitos eram estudantes
secundaristas com interesses não apenas individuais, mas também familiar. E em
se tratando da discussão acerca das instituições, deixou claro que não se luta
pelo fim delas, mas por colocá-las em xeque, por questioná-las, visto que a forma
atual não é mais aceitável.
Em se tratando de outros movimentos sociais
contemporâneos movidos por minorias e que esbarram na não laicidade do estado,
Alexandre ressaltou a importância deles falando especificamente da Marcha das
Vadias (citada pela autora da questão que fez parte da sua organização) e da
relevância das revoluções passarem pelas mulheres e de forma a “satanizar
moralmente” a religiosidade, moralidade e recursos jurídicos quando excessivos.
Sobre como essas movimentações afetarão o futuro, todos
declararam, obviamente, não ter respostas, que mesmo os governos não as têm. Mas
que sem dúvida, é preciso continuar pressionando. E quanto a assistência/assessoria
jurídica é preciso estabelecer mais força nas assessorias, que residem em
participar do debate político e não só uma representação e um apoio legal.
Com relação a por que militantes acabam por apoiar
candidatos que fortalecem o atual sistema político, Flávio acredita se tratar muitas
vezes de uma questão de sobrevivência, e de que é necessário repensar nossa
organização, o pensar coletivo, a discussão de uma reforma política.
E por fim, quanto ao fato de uma sociedade altamente
conservadora ter aderido às manifestações, Alexandre acredita na tentativa de
muita gente em se controlar tudo, de se transformar tudo em mercadoria, mesmo
por parte da mídia. Mas que se iniciou um questionamento de todo o modelo,
porque se chegou a conclusão de que tem alguma coisa muito errada quando, por
exemplo, achamos que a venda a cada dia de mais e mais carros nas cidades, ou
quando defendemos a ideia de todos usarem camisetas de marca, quando o ideal
seria que todos usassem roupas sem marca nenhuma. Mas que, “é muito legal
surgir pancadarias, porque o bicho tá pegando há muito tempo, a pancadaria
corre solta há muito tempo, mas que discutir um assunto como esse, em
universidades públicas elitistas com um auditório lotado já é um grande avanço
para a discussão”, afirmou Alexandre. Tiago vê esse ponto de forma semelhante. Para ele é de profundo ganho o enorme apoio por parte da sociedade, e que tem certeza que todos presentes nas manifestações estavam lá por um único motivo: o mundo mais justo. Entretanto, essa abrangência de causa pode trazer alguns problemas, visto que é de profunda relatividade para cada um presente. "Um mundo justo pra mim é uma coisa, para um simpatizante a neonazismo é outra completamente diferente", disse Tiago.
Foi isso, pessoal. Essa foi a cobertura do MEE no ciclo de debates e todos as opiniões descritas no blog partem dos que estavam presentes no evento e que foram respectivamente citados no texto. Sem dúvida, foi bem proveitoso. Esperamos ter passado as informações fielmente e queremos também deixar nosso muito obrigada à Profª. Christiane de Holanda, que é pesquisadora no NDH - Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da UFG, e que, gentilmente nos cedeu as fotos e contribuiu respondendo algumas dúvidas nossas.
Até a próxima.
Até a próxima.
Mais Eco Educação
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