segunda-feira, 17 de junho de 2013

Entrevista: Christiane de Holanda fala das medidas discutidas na consulta pública da Minuta do Marco Legal sobre Mudanças Climáticas e PSA

Confira como foi a consulta pública e acompanhe a entrevista com a Professora Christiane de Holanda

Olá, pessoal!

Como publicamos há alguns dias aqui no blog, dia 04 de junho foi realizada uma consulta pública sobre a minuta de anteprojeto de lei que institui uma Política Estadual sobre Serviços Ambientais e Regulação do Clima. A proposta foi organizada pelo Projeto Cerrado Sustentável por meio da Semarh (Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos). O Mais Eco Educação esteve lá e traz a cobertura para vocês acompanhada com uma entrevista com a Profª. Christiane de Holanda, que esteve presente na consulta pública, nos ajudou neste post também, e que traz aspectos relevantes sobre o tema.


Art. 1º. A Lei institui a Política Estadual sobre Serviços Ambientais e Regulação do Clima, com o objetivo geral de criar organismos, instrumentos e incentivos à preservação, conservação, manutenção e incremento dos serviços ambientais do bioma Cerrado e ao desenvolvimento da Política Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de Goiás. (Minuta de Anteprojeto de Lei - Versão para Consulta Pública, Maio de 2013)


De acordo com a Semarh, o objetivo dessa audiência foi obter um maior diálogo no Estado por meio da participação da sociedade civil. Para a realização da minuta de anteprojeto de lei, foram angariados recursos de doação do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), órgão ligado ao Banco Mundial. Em seguida, contratou-se uma consultoria técnica com abordagem jurídica e econômico-financeira para conduzir os estudos de forma a atender às expectativas e necessidades goianas dentro do cenário estadual, nacional e mundial, e partir para uma proposta de formulação de instrumentos legais factíveis e adaptados para as necessidades da região.

A consulta, que ocorreu no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFG, teve início na fala de Jacqueline Vieira, secretária do Meio Ambiente em exercício, que fez os agradecimentos de praxe e falou brevemente sobre o que é uma minuta de anteprojeto de lei, sobre a importância da conservação do Cerrado paralela à política de mudanças climáticas, sobre metas para Goiás de redução de gases que contribuem para o efeito estufa, e também sobre o Projeto Cerrado Sustentável.

Jacqueline Vieira, superintendente executiva da Semarh

Após essa parte, Denise Daleva Costa, coordenadora do Núcleo de Projetos Especiais da Semarh, comentou sobre o envio de contribuições para o e-mail do Projeto Cerrado Sustentável e apresentou o consultor Tiago Ricci, advogado da Ludovino Lopes Advogados que elaborou o marco legal e quem dirigiu a apresentação iniciando a sua fala sobre os trabalhos desenvolvidos pré-minuta, sobre a construção do anteprojeto de lei estadual. A apresentação do projeto foi dividida em cinco partes: objetivos, sistema de gestão, metas e programas e subprogramas.

Denise Daleva Costa, coordenadora do Núcleo de Projetos Especiais da Semarh, e Tiago Ricci

Com relação aos objetivos, tratou sobre o pagamento por serviços ambientais e sobre o desenvolvimento da Política Estadual de Mudanças Climáticas através de oito princípios ambientais (dispostos no Art. 2º.) resumidos a seguir:
I – princípios da cooperação e da participação: atuação conjunta - sociedade/coletividade e poder público;
II – princípio do desenvolvimento sustentável: compatibilidade - desenvolvimento econômico-social, qualidade do meio ambiente e equilíbrio ecológico;
III – princípio do poluidor-pagador: medidas de prevenção ou reparação para o agente poluidor (“sujeito econômico”);
IV – princípio do usuário-pagador: generalização do princípio do poluidor-pagador - aquele que utiliza os recursos ambientais deve se responsabilizar pelos danos;
V – princípio da precaução: a ser invocado quando houver ameaças de danos sérios ou irreversíveis;
VI – princípio da prevenção: adoção de providências para evitar danos ao meio ambiente;
VII – princípio do protetor-recebedor: compensação, financeira ou não, àqueles que atuam na conservação ou na reparação do meio ambiente;
VIII – princípios da transparência e da informação: mecanismos de registro, controle, verificação e publicidade durante a implantação e execução da Política.

Em seguida, tratou das diretrizes contidas no Anteprojeto de Lei sobre a Política Estadual sobre Serviços Ambientais e Regulação do Clima (expressas no art. 4º.), dentre as quais podem ser citadas: incentivo para redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE); criação de programas, subprogramas e projetos destinados à manutenção e provisão de produtos e serviços ambientais, à regulação do clima e à geração de ativos ambientais; promoção de pesquisas para melhor entendimento dos serviços ambientais; reconhecimento de comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e seus conhecimentos quanto ao seu papel para a manutenção dos serviços ambientais, dos recursos naturais e dos patrimônios ambiental e cultural do bioma Cerrado; e estímulo à adesão ao programa, subprogramas e projetos da Política, por meio da divulgação e capacitação de entidades públicas e privadas.

Logo após, Tiago finalizou sua apresentação comentando sobre o principal programa incluso no anteprojeto de lei, o de Gestão de Serviços Ambientais, que para sua implementação conta com a criação de três subprogramas (disposto no art. 25): I - Subprograma Carbono; II – Subprograma de Conservação das Águas e dos Recursos Hídricos; e III – Subprograma de Conservação da Biodiversidade.

Com o fim da apresentação da minuta, abriu-se o espaço para comentários, sugestões e críticas, na qual obteve grande participação d@s presentes que apresentaram opiniões bem diferentes. De um lado, o pensamento de que não há necessidade da criação de uma lei como essa. Como na opinião de André Amorim, representante da Secretaria de Tecnologia do Estado (Sectec), conselheiro do FEMA, que diz não ver a aplicação desta lei, que a enxerga apenas como “mais um fundo, mais um órgão ineficaz”, e sugere a elaboração de uma proposta mais humilde, talvez um programa dentro da Secretaria do Meio Ambiente que trate desses assuntos. Dentro desta mesma opinião, outros participantes sugeriram mais objetividade na elaboração da lei, sendo simples e direta, com o menor número de parâmetros, “entendível por todos”.

Em contrapartida a essa opinião, Roberto Freire, secretário da Semarh, que não vê esta como mais uma lei, e sim como algo que surgiu para uma necessidade atual. Carlos Magri, representante da Embrapa Arroz e Feijão, também expressou sua opinião dizendo que esta trata-se de uma iniciativa louvável, que contempla os desafios do momento e apresenta serviços de provisão.

Em resposta, os representantes do anteprojeto de lei afirmaram que veem sim a necessidade da criação da lei, e que para isso foram realizadas profundas análises da regulação de mudanças climáticas e que contaram com uma consultoria ampla e multidisciplinar para tanto. Além disso, afirmaram que a lei está simplificada ao máximo, que tomaram cuidados para deixá-la o mais direta possível.

Tiago responde às perguntas e ideias sugeridas pel@s presentes 

Após longos debates e várias opiniões, findas as sugestões e perguntas, a consulta pública foi encerrada.


E como falamos no início do post, segue aqui a entrevista feita à Profª. Christiane de Holanda Camilo, com relação ao projeto de lei discutido na consulta pública.



Christiane valoriza e parabeniza a iniciativa do Estado em discutir a implantação do Projeto Cerrado Sustentável Goiás – PCSG, aponta ainda que o Estado de Goiás precisa avançar na discussão e implantação do PSA – Pagamento por Serviços Ambientais, porque é uma das pautas do dia do governo federal, no entanto, ressalta que esta é uma questão ampla e multifacetada que deve ser tratada com cautela.

A professora ressalta que a proposta do governo federal é fruto do PL 792/2007, cujo autor é o deputado federal Sr. Anselmo de Jesus – PT/RO e ressalva que junto com a proposta inicial, encontram-se mais outras dez propostas: PL 1190/2007, (Autor: Antonio Palocci PT/SP – Cria o Programa Nacional de Compensação por Serviços Ambientais - Programa Bolsa Verde, destinado à transferência de renda aos agricultores familiares, com condicionalidades), PL 1999/2007 (Autor: Angelo Vanhoni – PT/PR - Institui o Programa Nacional de Recompensa Ambiental (PNRA) e dá outras providências), PL 2364/2007 (Autor: José Fernando Aparecido de Oliveira - PV/MG - Dispõe sobre a adoção do Programa de Crédito Ambiental de Incentivo aos Agricultores Familiares e Produtores Rurais - Crédito Verde, e dá outras providências), PL 1667/2007 (Autor: Fernando de Fabinho - DEM/BA - Dispõe sobre a criação do Programa Bolsa Natureza e dá outras providências), PL 1920/2007 (Autor: Sebastião Bala Rocha - PDT/AP - Institui o Programa de Assistência aos Povos da Floresta - Programa Renda Verde), PL 5487/2009 (Autor: Poder Executivo - Institui a Política Nacional dos Serviços Ambientais, o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, estabelece formas de controle e financiamento desse Programa, e dá outras providências), PL 6005/2009 (Autor: Beto Faro - PT/PA - Dispõe sobre a inclusão entre os objetos dos financiamentos pelo Sistema Nacional de Crédito Rural, de sistemas de produção nas formas especificadas, que resultem em benefícios ambientais, e dá outras providências), PL 5528/2009 (Autor: Silas Câmara - PSC/AM - Dispõe sobre o Programa Bolsa Floresta), PL 6204/2009 (Autor: Carlos Bezerra - PMDB/MT - Altera os arts. 3º e 5º da Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que dispõe sobre o Fundo Nacional do Meio Ambiente. Cria os comitês municipais para gestão dos recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente para pagamento ao produtor rural por serviços ambientais), PL 7061/2010 (Autor: Zonta - PP/SC - Autoriza o Poder Executivo a criar a Bolsa Florestal para a agricultura familiar).

Christiane disse ainda que a Minuta de Projeto de Lei como normativa geral é uma proposta interessante e inovadora com a inserção do princípio do usuário-pagador, contudo precisa ser melhor discutida a sua concreção na realidade do Estado em um estudo em perspectiva sobre o que essa lei pode gerar tanto em benefícios quanto em limitações para implantação e efetividade, como qualquer lei deveria fazer. Em se tratando de questões ambientais a professora ressalta:

Pouca ou nenhuma normativa toca na questão do princípio da não regressão ambiental (ou princípio do não retrocesso ambiental, ou ainda, princípio da proibição do retrocesso ambiental), cujo um dos grandes defensores é o professor doutor Michel Prieur, da Universidade de Limoges (França) – um locus privilegiado para estudos ambientais, que esteve no Brasil em 29 de março de 2012, proferindo uma conferência em Colóquio Internacional realizado no Senado Federal para tratar justamente do assunto. Este princípio seria um balizador na aprovação de qualquer legislação ambiental ou projeto ambiental por determinar um estudo cuidadoso e projetivo sobre a implantação de uma lei, assim a nova lei não poderia trazer mais prejuízos do que benefícios. O estudo da lei seria então, analogamente, um ‘estudo de impacto legislativo’ uma forma de controle de riscos sobre as leis e normativas ambientais de um país.

Sobre a apresentação da Minuta, a profª. Christiane de Holanda fez a seguinte consideração:
Um dos principais pontos da apresentação é a meta estabelecida de redução de emissão de carbono em 40% em relação à média do Estado de Goiás aferida entre os anos de 1999 e 2008. O valor real não foi apresentado, contudo, observa-se que o bioma cerrado e principalmente em Goiás é um dos mais degradados do país. Ao se visualizar o Estado sob o seu enfoque produtivo pautado em uma crescente indústria do agronegócio que recebe incrementos para o aumento da produção de carne (aves, bovina e suína), cana-de-açúcar, soja e milho, principais produtos produzidos pelo Estado em 2012, pergunto: como contrabalancear essa realidade? Principalmente se um dos grandes apontamentos feitos durante o projeto é a comercialização de créditos de carbono em mercados internacionais? Se incrementar o ritmo de produção nos mesmos moldes que se tem hoje e as áreas de pecuária e o número do rebanho continuarem a aumentar, Goiás ao invés de vender precisará comprar créditos de carbono. Estes são pontos a serem ponderados em um quadro geral de desenvolvimento do Estado. O pagamento por serviços ambientais abre uma interessante possibilidade de renda e sopesamento de restrições ao produtor quanto às áreas de preservação, todavia, visando a expansão econômica do Estado, o PSA em qualquer Estado é uma possibilidade e não uma grande solução para as questões ambientais e climáticas.

Disse ainda que
Os exemplos já consolidados como em Extrema (SP), pioneiro brasileiro nesse assunto, ajuda bastante a estudar e verificar as possibilidades do instituto (PSA), no entanto, para qualquer ente, quando da implantação de sua normativa, ele deve identificar e compreender a realidade onde será implantado, e, além disso, visualizar concretamente, seus limites e possibilidades. Espero que o Estado de Goiás obtenha bons resultados de sua proposição legislativa e se aproprie desses novos conceitos, invista em mais pesquisas, com experiências piloto para observar a efetividade e viabilidade de seus projetos, e claro, além disso, possa pensar para além do PSA, outras propostas de preservação e regulação climática não apenas para o campo, e como bem disse a professora Juliana Leite (IESA-UFG) durante a apresentação da minuta, para as cidades também”.

É isso, pessoal. Sinceros agradecimentos à Christiane que se dispôs gentilmente ao nosso convite, e que, com certeza, contribuiu muito para nosso conhecimento neste assunto. Ficamos muito felizes com sua participação e esperamos de coração novas contribuições.

E vocês, o que acham deste anteprojeto de lei? Concordam com a profª. Christiane? Comentem, expressem suas opiniões, enviem sugestões para o Cerrado Sustentável. Tod@s podem participar com comentários e contribuições ao texto da minuta, que podem ser enviados para o e-mail goias.cerradosustentavel@gmail.com, identificados no campo Assunto com o título "Contribuições à Minuta do Marco Legal sobre Mudanças Climáticas e PSA", até o dia 1º de julho de 2013. É importante que tod@s participemos destes processos que envolvem nosso bioma. Até a próxima!


*Christiane de Holanda Camilo é pesquisadora no NDH - Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos – UFG, e professora e mediadora de conflitos (TJ-GO). Faz mestrado em Direitos Humanos e Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento. Tem dupla formação e atuação profissional, em Direito pesquisa Direito Internacional, Direito Ambiental Internacional, Direitos Humanos e Direitos Culturais.
Contato: christianedeholanda@gmail.com


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